Há tempos não lia um livro em uma sentada.
Em, sei lá, 3 horas, entre meus afazeres, comecei e terminei uma novela - que depois vim descobrir que se trata de uma novela epistolar*, um gênero que eu não conhecia - deliciosa de ser lida.
‘Evidências de uma traição’, da famosinha Taylor Reid, foi escolhido a dedo. Estava com uma baita ressaca literária desde que terminei Anna Kariênina e não conseguia firmar em uma nova leitura. Comecei a procurar por aqueles livros bobinhos, curtos, só pra distrair a mente, e essa indicação me pareceu interessante.
Mas mal eu sabia que ia ser uma leitura tão envolvente.
O objetivo aqui não é fazer uma resenha do livro; o que quero compartilhar é algo sobre o tempo.
A história se passa na década de 70, e apesar de eu não ter nascido ainda nessa época, sei bem o que é não ter celular, se comunicar com quem está longe por cartas e ter um telefone fixo em casa. Com fio. Numa época em que fazer interurbano - jovens, vocês sabem o que é isso? - era caro! Tinha horário certo pra ligar com tarifas reduzidas, e frequentemente a linha caía.
E mais: o telefone fixo tocava e você não sabia quem era.
Ler esse livro e perceber as datas das cartas trocadas, da “demora” entre uma resposta e outra, me fez pensar em como somos imediatistas e impacientes hoje.
Era um assunto sério, aquelas pessoas precisavam de respostas pras suas dúvidas o quanto antes, mas tinham que esperar por dias, às vezes uma semana, pra ter, enfim, uma questão respondida. Uma agonia curada - ou piorada. Uma certeza do que planejar; uma decisão a ser tomada.
Era o tempo em que escrevíamos cartas — e esperávamos por elas. A vida tinha seu próprio ritmo.
Fora isso, fiquei pensando também em outra perspectiva sobre o tempo. As pessoas incluíam no dia a dia delas um momento para sentar e escrever.
Escrever uma carta exigia parar.
Sentar.
Pensar no que se queria dizer.
Colocar as palavras no papel com cuidado — porque não dava pra apagar ou voltar atrás com facilidade. Era uma escrita menos impulsiva e mais honesta. Havia mais silêncio. Havia mais espaço.
Elas precisavam disso. Colocavam suas ideias, angústias e perguntas no papel, mesmo sem se darem conta de que esse processo já era um passo importante pra organizarem suas ideias e sentimentos.
Conseguiam colocar pra fora aquilo que precisavam e, de alguma forma, esvaziavam um espaço interno, dando oportunidade de viver e sentir novas emoções.
No livro, o que emociona não é só o conteúdo das cartas trocadas — mas o que está por trás delas: a tentativa de se conectar, de organizar a dor em palavras, de confiar no tempo para dar sentido ao que ainda era confuso. E tudo isso se desenrola com delicadeza, sem pressa. Porque era o que existia. Porque era o que cabia.
Considero isso uma riqueza daquela época. Das gerações que escreviam cartas, que valorizavam uma ligação com tempo limitado, que não podiam ver do outro lado da tela as reações do outro. Era tudo uma criação da mente, cenas construídas a partir de memórias e sentimentos.
Não critico as facilidades de hoje, de forma alguma. Mas, sem dúvida, as emoções e sentimentos que eram vividos, ficaram naquele tempo.
São gerações que terão o privilegio de saber a sensação de esperar por uma carta, de parar para escrever para quem se ama, de ir aos Correios e grudar um selo no envelope, de saber o endereço de quem iriam enviar a correspondência.
A sensação de esperar por um telefonema, e saber que teria que falar de coisas que não queria repartir com mais ninguém - a não ser com quem estivesse do outro lado da linha - porque o telefone tinha fio e ficava no meio da sala.
Sei lá, pode parecer sem graça pra quem nunca viveu isso, mas foram sensações que essa leitura me fez reviver com um sorriso no rosto - e ótimas lembranças.
*novela epistolar é aquele tipo de história curta, com poucos personagens, e que é escrita exclusivamente por cartas.
Se essa carta tivesse um envelope, talvez ela não chegasse no mesmo dia pra você. Mas, quem sabe, fosse mais sentida.
E você?
Consegue se lembrar da última vez que esperou por algo — e isso não te gerou ansiedade?
Ou da última vez que escreveu, de fato, o que sentia — sem pressa, sem emoji, sem abreviações?
Talvez não dê pra voltar no tempo.
Mas talvez dê pra resgatar o que havia de único nele.
—
📬
Próxima entrega, semana que vem.
Com ou sem selo.
P.S.: Tenho, até hoje, uma pasta bem gorda da época em que eu trocava cartas com minhas amigas de colégio e com as amigas que precisei deixar quando me mudei de cidade. É muito bom reler e relembrar essa fase com tanta riqueza de detalhes.
Muito legal a lembrança das cartas!