Já são 23h e o quarto está totalmente escuro.
Você tenta, mas não consegue relaxar.
A cabeça não para de conectar informações.
Traz lembranças de tarefas a serem feitas: o almoço pra programar, o lanche do filho pra preparar, o trabalho a finalizar.
As horas vão passando e o sono não vem.
Você sente o peso do cansaço, está deitada, confortável em sua cama cheirosa e envolta em um cobertor macio. Por que ele não vem?
Rola de um lado para o outro. Vira de barriga pra baixo, vira pra cima e enfim senta na cama.
Pela fresta da janela já se pode ver um feixe de luz.
É, a noite já passou e seus olhos teimaram em não fechar.
O dia chegou e passou arrastado. Não é nada agradável cumprir com as tarefas do cotidiano no estado moribundo em que se encontra. Falta qualidade - e paciência - em quase tudo que faz.
Até que a sua leseira te leva a, no meio da tarde, após pegar um café no refeitório, tropeçar em algo no chão.
Você não caiu, só desequilibrou. Mas todo aquele café — que seria o seu despertar da tarde — caiu em você. E sua camisa era branca.
E assim o despertar surgiu. Não foi preciso que o café entornasse pelos seus lábios e descesse queimando pela garganta.
O lampejo veio, mesmo sem sentir a cafeína despertando seus neurônios.
Ao mesmo tempo, a angústia vinha no peito, no mesmo lugar em que a bebida lambuzou sua blusa.
Foi só então que percebeu que essa sensação não era apenas cansaço. Não era só um dia ruim. Era saudade.
Da rotina que não existe mais. De um tempo que não volta. De lugares que já não são mais seus.
Toda aquela saudade no peito estava em chamas. Ardia, inflava e virava fumaça invisível a olho nu, mas sentida em sua essência.
A camisa branca agora estava manchada. O café escorreu pelo tecido, deixando um rastro de caos bem visível.
Respirou fundo. Podia ficar irritada, xingar, ir até o banheiro e tentar remover a mancha… mas, no fundo, sabia que aquilo era apenas um símbolo do dia que já não vinha dando certo.
É engraçado como coisas pequenas, banais, podem despertar algo muito maior dentro da gente. A insônia, o cansaço, o tropeço, o café derramado — tudo parece se acumular e ganhar um peso desproporcional.
Seguiu para o banheiro, olhando no espelho a blusa manchada. Tentou esfregar com água, mas a mancha já tinha se impregnado no tecido. Esfregar mais forte só faria piorar.
Suspirou.
Resolveu trocar a blusa. Mas, enquanto vestia outra roupa, percebeu que era disso que precisava naquele momento: trocar a blusa. Trocar a postura.
Respirar.
E percebeu: algumas coisas são como manchas de café. Se a gente tenta resolver com pressa, só espalha ainda mais. Outras são como a saudade — você pode tentar ignorar, disfarçar, seguir em frente… mas, no fim, ela continua ali, impregnada.
E talvez não precise ser diferente. Talvez algumas coisas fiquem para nos lembrar que algo foi importante.
Lavou o rosto, ajeitou o cabelo e saiu da sala do café. Ainda havia saudade no peito, mas agora ela sabia: algumas marcas não precisam ser apagadas. Elas só existem porque algo valeu a pena.
Cenas Aleatórias é uma sessão onde compartilho pequenas histórias ou diálogos que escrevo em momentos aleatórios. Sem personagens definidos nem enredos planejados — apenas a liberdade de preencher uma folha sem regras nem motivo específico.
Aqui, você está conhecendo aquela parte do meu cérebro que atua obedecendo o fluxo das ideias, captando o que surge quando não há compromisso com o resultado, apenas com a vontade de criar e de dar vida a uma folha em branco.
Um pouco dos assuntos e pensamentos que se passam nessa caixola, sob a perspectiva de uma escritora muito boa em aleatoriedade.
Excelente texto!