O alerta do iCloud chegou no meio da manhã: “Reviva esse momento”, dizia.
Cliquei.
Era uma foto antiga, de um passeio no Central Park. Eu e meu marido rindo à toa, com frio nas bochechas e tempo de sobra. Sem horário, sem destino, sem muitas responsabilidades.
A gente estava só... vivendo. Escolhendo a próxima esquina. Sentindo o cheiro do outono. Tirando foto de esquilo. Nenhum compromisso além de estar ali.
Lembrei de como era bom decidir na hora o que fazer, sem pensar em rotina, lancheira ou horário de saída da escola. Naquele tempo, a liberdade tinha outro nome: tempo.
Hoje, com meu filho de cinco anos pulando no sofá, sem rede de apoio por perto, a rotina exige mais do que eu achava que tinha pra dar. A panela no fogo, e-mails pra responder e a cabeça dividida entre seis abas abertas, percebo o quanto a minha vida mudou.
Tive saudade. Saudade daquela viagem também, mas mais ainda daquela leveza. De não precisar pensar no jantar, no pediatra, no banho.… De simplesmente sair andando sem direção — e deixar que a vontade me guiasse.
Não é drama, é só constatação.
Não é arrependimento — de forma alguma! —, é só aquela vontade miúda de reviver um instante. De viver de novo um tempo em que eu não sabia que estava vivendo algo único. Porque é isso que a memória faz: deixa tudo mais bonito quando já passou.
As lembranças são espertas, não se engane. Elas não guardam tudo — só o que reluz.
A memória seleciona o brilho, esconde os tropeços, apaga os dias sem graça. E a gente acredita que o que passou foi melhor do que o hoje.
A gente sabe o desfecho, sabe que deu certo — que sobrevivemos — então tudo parece mais seguro, mais bonito, mais leve. Mesmo que, na época, nem fosse.
Lembro bem daquele dia da foto, e lembro também que estávamos exaustos da viagem. Brigamos por causa do metrô e quase não conseguimos jantar porque os restaurantes já estavam fechando. E, no entanto, nada disso veio de imediato com a foto. Só veio o riso. A liberdade. A leveza.
A liberdade, quando é cotidiana, parece invisível. Só quando ela se vai é que a gente percebe que, na verdade, ela era liberta de fato.
É por isso que às vezes o passado nos seduz tanto. Porque ele parece perfeito — e o presente, nem tanto.
A verdade é que o passado sempre parece melhor. Não porque era mesmo, mas porque já foi. E a gente conhece os finais — e isso dá uma falsa sensação de controle.
Amo o que tenho hoje. Amo ser mãe e o quanto isso me moldou, me fez crescer, me fez mais inteira.
Hoje, minha liberdade tem outro formato: é mais apertada, com horários definidos, tem choros, brinquedos espalhados, noites mal dormidas, mas ainda assim presente — nas brechas entre um pedido de ajuda e um "mãe, olha aqui!". E isso, um dia, vai virar saudade também.
Consegue perceber algo no seu presente que um dia você vai olhar com saudade também?
Talvez esse exato momento — esse em que você sente que está cansado, perdido, sem tempo — também esteja sendo moldado em memória, para um dia te lembrar de algo bom que você ainda não consegue ver.
E talvez seja por isso que escrever me ajuda tanto. Porque guardar essas memórias nas palavras é uma forma de continuar vivendo aquilo que passou. De não deixar que o tempo leve tudo.
Escrever esses momentos é uma forma de prolongar a minha vida e essas memórias. E por mais caótico que o dia esteja, ali, naqueles minutos, eu volto pra mim. Na frente do caderno — ou do teclado — o mundo dá uma trégua.
E pode ser que esse seja o ponto de encontro entre aquela menina que fazia a viagem dos sonhos pra Nova York e essa que hoje equilibra pratos no ar enquanto responde “já vou” várias vezes em um único minuto: ambas escrevem. Ambas precisam colocar em palavras o que sentem — para existir com um pouco mais de sentido.
A vida muda. As fases mudam. Mas a vontade de registrar permanece.
E hoje, ao olhar aquela foto, eu não sinto só saudade. Sinto gratidão por ter vivido aquilo. E por saber que, mesmo sem repetir os passos, posso continuar registrando as paisagens — internas e externas — que me atravessam.